domingo, 20 de março de 2011

Discos: ainda valem a pena?

Você ainda continua a comprar discos (ok, CDs no caso)? Aposto que, como a grande maioria, deixou de comprar ou compra raramente. O preço não tem compensado, e a facilidade de ouvir e baixar tudo o que se quer na internet nos afastou desse objeto fascinante. Outra pergunta: Você ouve CDs inteiros ou apenas músicas avulsas dos seus artistas preferidos? Eu, particularmente, adoro álbuns. Ainda sou da época do LP. Costumava segurá-los o tempo todo, sentir a textura dos sulcos, explorar a capa, contracapa, encarte e interior, quando tinha capa dupla enquanto ouvia faixa por faixa, percebendo a relação entre cada uma e os contrastes entre elas. Claro que nem todos os discos tinham esse conceito de soar inteiros como uma obra homogênea. Mas eles tinham umas “sacadas” que instigavam seus ouvintes.

Com a pirataria fora do controle no Brasil, os álbuns (CDs, outrora LPs) se rebaixaram a um mero item no cartão de visita do artista, pois já não têm mais a força que tinham há poucas décadas. Hoje é muito difícil achar um disco que nos faça sentar na poltrona e ouví-lo inteiro. Antigamente, um cantor/compositor e as bandas elaboravam seus álbuns como um escritor concebe um romance. Não eram para ser ouvidos em parte, uma música ou duas, mas toda a obra. Aliás, muitos discos mostravam conceitos e idéias que não poderiam ser atingidas ouvindo-se apenas pouco mais que uma faixa.

A relação ente o artista e o álbum também mudou muito. Podemos perceber que os caras investem em um ou dois hits para saturarem na mídia e o resto do disco é pura “encheção de lingüiça”, idéias repetitivas e material da mais completa mediocridade. Isso vem acontecendo até com ótimos músicos que outrora gravavam discos brilhantes. Dificilmente encontro cantores/bandas em atividade cujos CDs sejam realmente interessantes.

Falando-se especificamente em música popular, a idéia de disco como obra de arte ou conceitual começou nos anos 60 com os Beatles, Bob Dylan, Beach Boys, The Who e outros. Nessa época houve de fato, grandes acontecimentos mundiais de ordem social, política e o escambau. Com isso veio uma explosão de criatividade nas artes, o que acabou “contaminando” também a indústria fonográfica através de músicos inspirados, que queriam criar o máximo e fazer nada menos que a melhor música que podiam. A tecnologia também avançava dentro dos estúdios de gravação. Como um efeito dominó, aquela geração influenciou as gerações posteriores e o saldo em 50 anos foi de muitas obras primas em formato de bolacha de vinil e CD.

Atualmente não se produz discos tão bons como há trinta ou quarenta anos, porque o artista quer em primeiro lugar ficar rico e famoso. Aliás, qualquer criatura, seja músico ou não, pode gravar um disco, ao mesmo tempo em que o público se torna cada vez menos "exigente" com a qualidade musical. A música pode ser no máximo... digerível. Aliás, as palavras “artista” e “músico” têm sido muito maltratadas e mal empregadas. Além disso, a figura do produtor ganhou quase mais destaque do que o próprio artista. O mercado crescente de música em formato digital também enfraqueceu o gosto pelo disco. E é claro, a kryptonita dos álbuns, a pirataria, que no Brasil encontrou milhões de aderentes e incentivadores (milhões de criminosos na verdade). Uma pena e vergonha para nós.

Eu mesmo não tenho adquirido CDs com a freqüência de antes. Mas sempre que encontro um que valha a pena, compro com muito gosto, ainda que ele esteja disponível para download gratuito nos blogs. Fotos, informações e ficha técnicas, textos, e a arte gráfica são coisas que me seduzem. Apreciar e folhear tudo isso entre os dedos é um prazer pra mim. Concordam que há uma enorme diferença entre ver uma bela pintura no monitor do computador e ter a mesma tela pendurada na parede de sua casa?

quarta-feira, 9 de março de 2011

Arte: apreciada ou consumida



Um dia desses, ouvindo rádio no carro e mudando de estação toda hora – mania minha – percebi a avalanche de gêneros e estilos musicais que são despejados em nossos ouvidos diariamente. Nem é preciso ligar o rádio pra perceber. Basta ligar a TV, ou navegar na internet. Somos expostos a uma confusão sonora (poluição muitas vezes) e vamos absorvendo tudo isso. Em meio a este fato, eis que surgiu uma pergunta, ou melhor, algumas: O que chamamos de “arte” hoje? É pra ser apreciada permanentemente ou consumida como uma lata de sardinha? Existe “arte descartável”?

O questionamento veio porque numa estação de rádio eu ouvia “Águas de Março” de Tom Jobim, e depois mudei de estação e ouvi a mais recente música de trabalho do rapper 50 Cent. Depois mudei de novo e ouvia “Uma pequena Serenata Noturna” de Mozart, e depois em outra rádio, o pagode baiano “Liga da Justiça”. Quanta informação diferente. Um verdadeiro “ecossistema sonoro”. Bom, não há dúvidas de que tudo que eu ouvi é música (deixemos o preconceito de lado).

O que difere uma música de outra, para que uma seja sempre lembrada ao longo do tempo e outra, morta e enterrada para sempre? Processos de composição diferentes? Inspiração de mais ou de menos? Intenções diferentes? Formação musical acadêmica? Ora, muitos gênios da MPB nunca estudaram música. E muitos Doutores em música não conseguem compor um compasso que agrade a qualquer ouvido humano.

Quando ouço e vejo o Justin Bieber, não duvido que ele tenha algum talento. Mas ao mesmo tempo lembro do grupo Menudo nos anos 80, do grupo brasileiro Dominó (lembram?), e do New Kids on the Block. Tiveram grande êxito e causaram grande impacto e histeria em suas gerações de adolescentes. Pra onde foi todo aquele sucesso? Por que suas músicas não tocam mais nas rádios hoje? Por que aqueles fãs adolescentes (hoje já crescidos, lógico) não ouvem mais aquelas músicas? Não acho que este mistério está no talento ou falta dele. Até porque o guri Justin Bieber certamente tem, apesar da superficialidade musical do produto que leva seu nome. Se ele for mais esperto do que os astros infanto-juvenis de outras épocas, vai criar asas, ficar independente, se desenvolver e fazer algo mais consistente para o bem de todos (inclusive dele). Caso contrário, vai cair no limbo do esquecimento e virar uma piada, uma caricatura de uma época, como aqueles astros esquecidos que citei.



Hoje em dia está em voga o “artista miojo”, sucesso instantâneo. Já é um estouro antes de qualquer pessoa ouvir uma música sua sequer. Como assim? A que se deve o sucesso meteórico de alguém que mal se lança na carreira? Aos óculos que usa? À calça laranja e ao cabelo “estiloso”? A imagem do artista, como ele se veste, onde ele anda e com quem, como se comporta... tudo isso é mais importante do que sua “arte”. Isto é o que os meio de comunicação deixam transparecer.

Esses dias, também vi uma lista dos “100 maiores artistas de todos os tempos” promovida pela emissora de TV norte americana VH1. Os “eleitores” foram grandes astros das música pop atual, que listaram os artistas de sua preferência em ordem de importância. Em 1º lugar deu Beatles, disparado! Eu, que sou beatlemaníaco, não achei nenhuma surpresa. Mas foi curioso ver que a grande maioria dos artistas que votaram nem era nascida quando os Beatles terminaram. Inclusive muitos com menos de 30 anos de idade. O que alguns artistas ou músicas têm para durarem tanto e serem sempre atuais enquanto outros duram no máximo um verão? Talento seria uma boa resposta, mas não é a única. O rapper Jay-Z (!) disse que “uma grande música não tenta ser nada – simplesmente é”. Não é o número de vezes que vai tocar no rádio ou na novela que fará dela uma canção memorável. O alto consumo não dá crédito ou valor artístico a uma música. Dá valor de mercado, cifras. Isso é outra coisa.

Posso dizer então que há músicas e artistas que são apreciados e outros que são meramente consumidos, assim como as telas de Picasso no museu e o jornal que compramos há três dias jogado no depósito, respectivamente. Com música é assim também – pelo menos de algumas décadas pra cá é assim. Daqui a dez anos você vai ouvir com mesmo prazer e naturalidade o que ouve hoje? Por que ouvir “Like a Virgin” (Madonna) hoje soa tão datado, ultrapassado? É uma canção dos anos 80. E porque quando toca “Revolution” (Beatles) no rádio a maioria dos ouvintes – de qualquer idade - pára pra ouvir? Trata-se de uma gravação de 1968.



Assim como uma grande música, um grande artista não tenta ser – simplesmente é. Há grandes astros por aí que são tentativas, são blefes que se sustentam por muita maquiagem, roupas (ou falta delas), escândalos, caras e bocas. Artistas que precisam desesperadamente de um sucesso após outro, de hits sucessivos nas paradas, de uma notícia na revista, de se adequarem à moda corrente, se não serão esquecidos. Porque sua arte não sobrevive sozinha, já “nasce morta”, não tem nada que permaneça na lembrança das pessoas.

Como talento não se compra, gastam-se fortunas em estratégias de marketing e promoções. Isso para dois anos depois ninguém lembrar de nada. Morto, enterrado e esquecido para sempre. Dá-se mais importância à figura do artista do que à sua arte. Pode parecer uma comparação esdrúxula, mas no século XVIII Johann Sebastian Bach (1685-1750) não tinha produtor ou empresário, não havia rádio nem tv. Pois bem, ele é tocado até hoje nas rádios e salas de concerto e tem músicas conhecidas até do público leigo em música erudita. Entre os vários motivos pra que isso tenha ocorrido, devo dizer que sua música é reconhecida e apreciada como uma obra de arte, que sobrevive sozinha, que é viva. Não é um mero produto a ser consumido com prazo de validade para uma faixa etária específica. Não é preciso fazer música clássica para se conseguir isso. É simplesmente música boa e irrestrita, desapegada de épocas, para todos, em qualquer tempo ou geração.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Phil Keaggy



Há poucos anos descobri um músico fabuloso dos Estados Unidos. Seu nome é Phil Keaggy. Cantor, compositor, guitarrista/violonista com rara habilidade. Nascido no estado de Ohio em 1951, Phil Keaggy tem uma legião de fãs no mundo inteiro, inclusive entre músicos famosos. Um fato curioso marca a carreira dele: A ausência do seu dedo médio na mão direita, perdido num acidente com uma bomba d’água quando ele tinha 4 anos de idade. Isso não o impediu de começar a aprender guitarra quando tinha dez anos. Tocou em algumas bandas na adolescência, quando formou o trio Glass Harp, obtendo algum reconhecimento local. Com essa banda, ele gravou no estúdio de Jimi Hendrix, quando tinha entre dezoito e dezenove anos. Depois começou a correr uma lenda em que Hendrix, ao ser perguntado sobre “qual a sensação de ser o maior guitarrista do mundo” teria respondido: “Não sei, você tem que perguntar isso a Phil Keaggy”. Phil até hoje rejeita essa história.

Glass Harp no início dos anos 70 (Phil na guitarra):

Ao longo de toda a carreira ele tem lançado discos de qualidade e talento inquestionável. O que muito impressiona em Phil Keaggy é a capacidade de transitar por vários estilos com maestria. Domina tanto o violão acústico quanto à guitarra elétrica com a mesma habilidade. Em muitos trabalhos ele lembra muito o som de Paul McCartney. Sua voz num momento lembra a do ex-beatle, noutro lembra a de Russel Hitchcock, do Air Supply.

Lançou seu primeiro disco solo “What a Day” em 1973, e desde então foram mais de 50 discos gravados, fora as colaborações em trabalhos de outros artistas. Na obra instrumental são muito relevantes os discos “The Master and The Musician”, “Beyond Nature”, “220”, e “Freehand”.

Phil, no fim dos anos 70:

Com ou sem banda acompanhando ele é um show man. Aliás, ele nem precisa de banda. Com o domínio de vários recursos e efeitos de pedal ele faz a percurssão e todas as partes da guitarra ao mesmo tempo, criando uma sonoridade incrível.

Phil Keaggy é um músico bastante premiado, e é uma pena que no Brasil muito pouca gente o conheça. Vale a pena pesquisá-lo, tanto em sua obra instrumental como em seu trabalho como cantor.