domingo, 19 de junho de 2016

Blackbird e o Assum Preto


“Blackbird” é o primo distante do “Assum Preto”. O primeiro tem os olhos fundos (“take your sunken eyes and learn to see”). O outro tem os olhos furados (“furaro os óio do Assum Preto”). As coisas não parecem boas para ambos. Paul McCartney compôs “Blackbird” em 1968 pensando nos conflitos raciais nos EUA, traduzindo o esforço dos negros, que começavam a se impor, e usou a imagem de um pássaro (um melro preto) com olhos fundos e asas quebradas tentando voar. A letra era um estímulo especialmente às mulheres negras oprimidas. Os negros naquela época ainda eram muito segregados lá, sofriam abusos e ainda viviam num verdadeiro “cativeiro” racial. O “Assum Preto” de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, mesmo solto vivia no cativeiro da escuridão, com os olhos furados para “cantar melhor”, vítima também da maldade humana (“tarvez por ignorança ou mardade das pió”) . O termo “blackbird” era usado nos EUA de forma pejorativa na época do mercado de escravos para se referir a pessoas de origem africana. E os escravos, presos, na labuta da lavoura cantavam aquilo que ficaria conhecido como “work songs” desdobrando-se nos “negro spirituals”. Presos, mutilados, cantando de dor e na dor.


sexta-feira, 26 de setembro de 2014

45 anos de Abbey Road

Falar sobre a importância dos Beatles na música popular é quase que chover no molhado. Vez por outra a gente encontra um ou dois que dizem que não gostam, mas não são tantos a ponto de ofuscar a condição de unanimidade. Não é preciso dizer pela enésima vez que eles são certamente o maior acontecimento na história da música no século 20, e que ditaram a moda e o comportamento dos jovens nos anos 60, que revolucionaram a indústria fonográfica e do show business, que influenciaram 9 entre 10 artistas que surgiram depois deles, que lançaram sementes de vários subgêneros musicais que nasceram mais tarde, entre outras coisas.

O motivo dessas linhas é o aniversário de 45 anos do antológico disco Abbey Road neste mês. É um momento especialíssimo na história da música popular. Lançado em setembro de 1969, foi o canto do cisne dos Fab Four. O último disco da banda gravado em estúdio, embora o Let it Be tenha sido lançado poucos meses depois. Abbey Road é tido por muitos como o melhor disco deles, embora não haja um consenso (opiniões se dividem entre Rubber Soul, Revolver, Stg Pepper’s, o “Album Branco” e o homenageado aqui nesse texto). Ou seja, a obra dos caras é quase irretocável, principalmente a partir do Rubber Soul, de 1965. Abbey Road é um disco memorável pela qualidade técnica e musical. Todos eles estavam com a criatividade a todo vapor. Foi uma espécie de trégua, se considerarmos que o clima não era nada bom entre eles, o desgaste entre os membros, a guerra de egos, os interesses extra-banda e as pressões externas marcaram os últimos anos do grupo. Interessante notar que mesmo em meio a todas as turbulências eles conseguiram produzir obras primas. Segundo Geofrey Stokes no livro The Beatles, “Tirando partido do momento, Paul reuniu-os no estúdio novamente. Dessa vez Abbey Road foi gravado mais rapidamente que qualquer outro álbum desde Help!, de 1965, e o conjunto inteiro tocava na maioria das faixas, além de os vocais serem feitos pelas vozes de todos, ao invés de um só gravando em diversos canais.” Sobre o disco anterior apelidado de “Album Branco”, de 1968, John Lennon disse que “ali não há nada de música dos Beatles.(...) É sempre John e a Banda, Paul e a banda, George e a Banda...” Abbey Road foi um curto momento de paz onde eles voltaram a ser uma banda, mais que isso, voltaram a ser os Beatles em ação.



O álbum já ficaria marcado pela famosa capa, com a foto dos quatro em fila, atravessando a rua que leva o nome do disco, e que é também o nome do lendário estúdio de onde saíram todos os seus discos. A faixa que abre é Come Together, uma canção típica de Lennon, que começa com uma linha de contrabaixo que depois seria sampleado em centenas de outras músicas mundo afora. Vale lembrar que a essa altura praticamente já não existia mais a parceria entre John e Paul. Cada um compunha seu material, embora sempre assinassem tudo como parceiros. Curiosamente, os maiores hits do álbum não são da dupla Lennon/McCartney e sim do então inspiradíssimo George Harrison. Estamos falando de Something e Here Comes the Sun. Também está nesse álbum o lado B mais espetacular do rock. A partir da terceira faixa (nona faixa, considerando o cd) começa um vertiginoso duelo entre John e Paul, uma maratona de pequenas músicas emendadas culminando com The End (título bem sugestivo, já que a banda estava prestes a encerrar as atividades).

Mas, ainda segundo Geofrey Stokes, os fãs pareciam menos preocupados com o fim dos Beatles que com a “morte” de Paul. O rumor parece ter começado em Detroit, onde uma estação de rádio deu força à história, e onde o Michigan Daily fez um “obituário” sobre Abbey Road. Sobravam pistas: na foto da capa Paul está descalço e fora do passo em relação aos outros, seu cigarro está na “mão errada” (ele é canhoto), e a placa do Wolkswagen estacionado é 28IF (“28SE”) – a idade de Paul “se” ele estivesse vivo. Segundo a lenda ele teria morrido num trágico acidente automobilístico em 1966, época em que eles decidiram parar com os shows ao vivo e se dedicar aos discos no estúdio. Isso foi apenas o começo dos boatos. Depois começou uma enchurrada de supostas pistas em letras de músicas e em outras capas. Entretanto Paul estava – e está – muito vivo.

Ouvir o Abbey Road hoje dá a uma forte sensação de que o disco ainda vai ser lançado daqui a 40 anos por uma grande banda que ainda vai surgir. É atemporal. O talento dos compositores nesta obra prima convence de que após 45 anos nada os superou.


Fábio Eça


Quer ouvir o disco??


domingo, 8 de dezembro de 2013

40 anos de Band on The Run

Band on The Run é o quinto disco de Paul McCartney após a dissolução dos Beatles e o terceiro com sua banda Wings. É desses discos que merecem edições comemorativas, limitadas e aquelas frescuras que a indústria faz pra vender. É uma obra prima, concebida por um cara habituado a fazer obras primas desde os vinte anos de idade. O álbum completa agora 40 anos, e é uma ótima oportunidade rememorá-lo e até apresentá-lo a quem ainda não conhece. Com os Beatles encerrando suas atividades oficialmente em 1970, cada um tomou seu rumo com punhados de canções acumuladas e agora com espaço e liberdade total pra fazer o que quisesse sem depender um do outro. George e John não demoraram pra mostrar serviço e logo gravaram álbuns mitológicos. O primeiro lançou All Things Must Pass em 1970, o outro lançou Imagine em 1971. Com esses dois discos os caras mostravam que estavam afiados e que já tinham superado o “rompimento”. Paul vinha produzindo muito, em quase quatro anos já tinha quatro discos nas costas, mas nenhum expressivo como os de seus ex-colegas. O compositor de "Yesterday", "Eleanor Rigby", "Penny Lane" e que tinha concebido as ideias para o intocável Sgt. Peppers ainda não tinha mostrado sozinho nenhum trabalho de ‘responsa’ para o público.

 Até então Paul já tinha experimentado algum sucesso desde o fim dos Beatles, com as canções “Maybe I’m Amazed”, “Another Day”, “My Love” e “Live and Let Die” (canção tema no filme “007-Viva e deixe Morrer”), mas finalmente no finalzinho de 1973 ele lançou um disco digno de um ex-beatle: Band on The Run. Seu primeiro grande álbum em carreira solo, uma década depois de lançado o primeiro álbum dos Beatles, Please Please Me.


Band on the Run é cercado de histórias inusitadas e até boatos. Pra começar, dois integrantes da Wings (a banda de Paul na época) pularam fora do projeto às vésperas das gravações. A banda resolveu gravar na Nigéria, procurando inspiração e “ares diferentes”. Só que o mar lá não estava pra peixe. O país vivia uma ditadura militar e tempos de muita instabilidade social. Pra piorar, o estúdio em que eles foram gravar estava em péssimas condições e faltava quase tudo. Ainda foram assaltados enquanto caminhavam numa noite e levaram-lhe fitas com as demos das músicas que ainda ia gravar. Houve ainda rumores não confirmados de que Paul teria sofrido um ataque cardíaco durante esse período. A banda também foi acusada de estar na Nigéria para “roubar” a música africana. Enfim, passaram por poucas e boas. Mas de todas essas confusões nasceu um clássico obrigatório para qualquer coleção.

 A faixa título é a que abre o disco com uma frase de guitarra seguida por sintetizadores e parece uma pequena suíte que se desenvolve num crescendo contagiante enquanto nos narra a saga de uma tal “banda em fuga”. Logo em seguida entra “Jet”, um rock vigoroso com direito a vocais no estilo Beach Boys durante o refrão. Quebrando o clima, a terceira faixa “Bluebird” mostra – ‘pra variar’ – que Paul é um dos maiores melodistas da música popular mundial. “Mrs Vandebilt” leva qualquer multidão a gritar em uníssono “Ho hey ho!” mesmo depois de terminada a música. A bela “Let me roll it” parece ser irmã de “Oh Darling”, (canção gravada ainda com os Beatles 4 anos antes). Uma curiosidade acerca de “Picasso’s Last Words”: O ator Dustin Hoffman jantava com Paul, e teria lhe perguntado se ele era capaz de compor uma canção sobre qualquer assunto. Não convencido com a resposta afirmativa do músico, Hoffman pegou uma revista onde havia uma matéria sobre a morte do pintor Pablo Picasso e mostrou a Paul, que imediatamente compôs a música em sua frente. A história tem variações, mas serve pra ilustrar a usina de canções que é o ex-beatle. 

Na capa do disco figuram alguns amigos convidados: os atores Christopher Lee e James Coburn, o colunista Clement Freud (neto do famoso psicanalista) e o boxeador inglês John Conteh. Band on the Run ainda vibra, aquece, anima e nos deleita com o que Paul McCartney em sua melhor fase pode nos oferecer.

 

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Gerson Borges



Conheci Gerson Borges e sua música há dois anos. Fiquei fascinado logo na primeira canção que ouvi. Este carioca carrega elementos musicais de várias culturas e partes do Brasil e consegue, como muito poucos, fazer uma arte quente, orgânica e extremamente rica. Cantor, compositor e poeta, suas letras saltam dos alto-falantes e quase tomam formas aos nossos olhos. É um dos raros artistas da música cristã brasileira que apresentam um grande conteúdo musical e literário e buscam um alto padrão em sua arte, coisa que todo “artista cristão” deveria fazer. Aliás, não costumo compartimentar música em gêneros. Apenas divido em duas categorias: a música boa e a música ruim.

A música de Gerson Borges trata de uma forma particularmente sensível das coisas do nosso mundo, nosso cotidiano, dilemas, sentimentos, e talvez por isso mesmo esteja em total consonância com os temas bíblicos e o que eles nos ensinam. Ele parece não segregar o “mundo espiritual” do “mundo secular” justamente por buscar Deus e a espiritualidade nas coisas simples que permeiam nossa vida, tudo isso com legítimo embasamento cristão. Sua música pode ser sintetizada em duas palavras: verdade e beleza. No mais alto grau.



Uma obra de Gerson a se destacar é “A Volta do Filho Pródigo”, musical inspirado na consagrada parábola contada por Jesus. Canções belíssimas como “Voltar pra Deus”, Sobretudo Quando Chove”, “Janelas” e “Dia de Festa” garantem a qualidade excepcional da obra, sem falar da poesia, que ora aperta ora afaga o coração de quem ouve.



Outra obra que merece grande relevância é “Nordestinamente”, que é um mergulho na cultura do nordeste. Neste disco Gerson revela um profundo respeito pelo universo e - inclusive pelo - indivíduo nordestino. Um carioca fazendo música nordestina poderia soar pretensioso, mas o talento do músico rende uma linda e honrosa homenagem a essa região que é grande berço da nossa cultura.O próprio compositor diz:

“Não sou nordestino - sou um carioca que aprendeu a apreciar a cultura, a arte, a música e poesia do Nordeste ouvindo o rádio com meu pai. Nos anos 70, nós sentávamos na varanda, o sábado indo embora, e ouvíamos o Projeto Minerva. Esse programa chamou muito a minha atenção curiosa de menino para as Cantorias de Viola, a mágica poética nordestina e sertaneja!”

Gerson Borges - Ave do Norte


Faixas realmente emocionantes como “Ser Tão Adorador”, “Ave do Norte”, “Se Eu Sou Poeta” e “A Chave é a Oração” tiram o fôlego, de tão belas.

Gerson Borges - Se Eu Sou Poeta


Sem chavões, fórmulas prontas ou jargões religiosos requentados, Gerson CRIA e não copia. Percebo as melhores influências possíveis em sua obra, como Lenine, Chico Buarque, Sérgio Pimenta, Ivan Lins, Luiz Gonzaga e outros. Mas percebo mais ainda uma forte identidade em sua arte. Um exemplo de como podemos “espremer” muito mais da criatividade que Deus dá ao homem e produzir com excelência.


(Obs: Os vídeos postados são slides feitos por usuários do youtube, e não video clips oficiais do cantor.)

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Pet Sounds


Esta semana está completando 45 anos o celebrado disco “Pet Sounds” dos Beach Boys. É uma boa oportunidade para os que não conhecem conferirem esta obra antológica e a mente inquieta e musicalmente insana de Brian Wilson (de preto, com cabelo de playmobil na foto acima), o líder e grande mentor da única banda que realmente fez frente aos Beatles nos anos 60. Foi por causa disso que comprei este disco quando eu tinha 16 anos (sim, eu sou beatlemaníaco). É um álbum que rejuvenesce e fica cada vez melhor com o tempo. Aliás, é impossível falar de “Pet Sounds” sem falar dos Beatles, pois suas discografias se relacionavam intimamente naquela época.

Na década de 60 a mídia alimentava uma rivalidade Beatles x Rolling Stones. Na verdade era uma “pseudo” rivalidade, pois o som das duas bandas não se parecia, tinham diferenças musicais bem visíveis. Inclusive eles eram bem chegados e sempre se encontravam (chegaram até a participar dos discos uns dos outros). Paul McCartney chegou a dizer que seus verdadeiros rivais musicais eram de fato os Beach Boys. O quarteto inglês tinha um profundo respeito e admiração por eles e sempre esperavam com grande expectativa e “temor” o próximo lançamento da banda californiana. Paul ainda diz que sempre considerou Brian Wilson um gênio e que os discos dos Beach Boys eram o parâmetro que eles tinham para melhorar a cada disco que lançassem. O mesmo ocorria do outro lado. Os BB – sobretudo Brian - ouviam os Beatles e se estimulavam a fazer algo no mesmo nível, ou se possível, melhor. Uma banda dava suporte e inspiração à outra. Foi uma rivalidade em que o vencedor foi justamente o público.

Em dezembro de 1965 os Beatles lançaram o excelente “Rubber Soul” e começavam a alçar vôos mais altos com relação a composição, arranjos, letras, e daí começaram a mudar o conceito de álbum, que até aquele momento era concebido como um apanhado de singles e canções avulsas reunidas. Brian Wilson disse:

"Eu realmente não estava completamente pronto para a unidade. Parecia que todas (as músicas) eram juntas. Rubber Soul era uma coleção de canções que de alguma forma eram juntas como nenhum álbum já feito antes, e fiquei muito impressionado. Eu disse, É isso. Eu realmente fui desafiado a fazer um grande álbum."

Então ele pôs sua mente genial para trabalhar no “Pet Sounds”. E trabalhou sozinho mesmo. Compôs todas as músicas (maioria em parceria com o letrista Tony Ascher), com exceção de “Sloop John B” (canção tradicional), bolou os arranjos e produziu o disco. Os demais membros dos Beach Boys apenas cantaram (Brian contratou músicos de estúdio para tocar). Inclusive o próprio Brian fez a maioria dos solos vocais, o que não era comum nos seus discos. Ou seja, foi um projeto pessoal de Brian, e que se difere radicalmente dos antecessores, na concepção, no som, no espírito, no propósito. Ele queria conceber uma obra de arte... e conseguiu. O álbum foi lançado em 16 de maio de 1966.

No Pet Sounds, ouve-se pela primeira vez instrumentos nunca antes imaginados numa banda de rock. Cravo, acordeom, instrumentos orientais como o koto e outras loucuras que hoje podem não assustar ninguém, além das sempre presentes harmonias vocais, que já eram marca registrada no som deles desde o começo da carreira. Brian dirigiu e regeu tudo na cabine de gravação e o resultado foi mágica pura!! Os outros integrantes acompanhavam tudo meio assustados, já que aquilo era bem diferente do que se esperava de um disco dos Beach Boys.

Wouldn't It Be Nice


Pet Sounds nos deu super clássicos como a vibrante faixa de abertura “Wouldn’t it Be Nice” e a belíssima e etérea “God Only Knows”, canção que Paul McCartney confessou querer ter composto. Aliás, este álbum deu continuidade ao ciclo “toma lá dá cá” entre Beach Boys e Beatles. Estes se sentiram tão desafiados com a obra prima da banda americana que criaram o tão famigerado “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” em junho de 1967.

God Only Knows


Costumo dizer que comparar os Beatles com os Beach Boys é meio injusto, apesar das duas bandas estarem praticamente no mesmo nível musical. O grupo inglês tinha três compositores absolutamente geniais (John , Paul e George) e ainda um senhor produtor (George Martin) que tornava realidade qualquer idéia sonora maluca que eles tivessem. Pois bem, os Beach Boys tinham um único gênio, Brian Wilson, que compunha, arranjava, produzia tudo e carregava a banda nas costas. Se houvesse pelo menos dois Brians na banda, sei não... os Beatles estariam em apuros! Pet Sounds veio para mostrar que os Fab Four não eram os únicos capazes de fazer do disco uma arte fina e também não eram tão absolutos no reino da música pop!

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Graceland



Este é um daqueles grandes artistas que ficam meio esquecidos pelo público, mesmo tendo uma carreira bem sucedida e repleta de sucessos. Paul Simon é, sem dúvida, um compositor genial. Se eu fizesse uma lista dos 10 maiores compositores da música popular no universo pop/rock com certeza ele estaria lá, junto com Dylan, Lennon, McCartney e outros. Melodista notável, também escreve letras criativas, belas e profundas, talvez fruto de sua formação em literatura inglesa.

A primeira metade dos anos 80 ele passava por um certo ostracismo até gravar o fabuloso disco “Graceland” em 1986. Este, pra mim, é o melhor disco daquela década. Melhor que “Thriller” (Michael Jackson), “Joshua Tree” (U2) e “Brothers in Arm” (Dire Straits) juntos. Neste trabalho fantástico, ele mergulhou na música sul africana, gravou com artistas da África do Sul, cuja musicalidade fundiu-se perfeitamente com a sonoridade e idéias de Simon. O album foi aclamado pela crítica, recebeu vários prêmios e rendeu longo prestígio ao músico. Desde seus trabalhos em dupla com Garfunkel nos anos 60, Simon não apresentava canções tão inspiradas.

Graceland apresenta um trabalho instrumental e arranjos primorosos, e uma ousadia que acabou dando a Simon um reconhecimento como compositor de world music. Um grande destaque na sonoridade do disco é o baixo fretless de Bakhiti Kumalo, que fez poesia com seu instrumento. Solos e frases que arrebatam qualquer ouvinte que não entenda nada sobre contrabaixo. Só por isso o disco já valeria à pena. Mas há muito mais em Graceland. As guitarras são um dos pontos altos da sonoridade africana presente no álbum, juntamente com as percussões e toda a concepção rítmica. Um grande trunfo do disco foram vocais africanos, principalmente a participação do estupendo grupo vocal Ladysmith Black Mambazo em duas faixas, “Diamonds on the Sole of Her Shoes” e “Homeless”. Esta última, que é uma obra prima, acabou se tornando um hino contra o Apartheid na África do Sul.

Homeless


O disco começa apenas com acordes de acordeom seguidos por uma explosão de percussão na primeira faixa “The Boy in the Bubble”. A segunda faixa é a belíssima e grandiosa “Graceland”, que traz baixo e guitarras em destaques. “You Know what I Know” parece uma “La Bamba” africana, com um ritmo que faz qualquer um pular, e mais uma vez baixo e guitarras “saltitantes” e um exótico vocal de fundo. O disco conta com um grande hit, “You Can Call Me All”, que com seu apelo pop estourou nas rádios e ganhou um videoclip com a engraçada participação de Chevy Chase. “Under African Skies”, linda de doer, apresenta um dueto vocal de Simon e Linda Ronstatd.

You Can Call Me All


Apesar da sonoridade típica norte-americana dos anos 80, Graceland apresenta canções universais e arranjos atemporais. O fato de Simon ter buscado o diálogo cultural com a África do Sul em meados daquela década foi de uma importância que transcende a área musical. Todos os olhos se voltaram para aquele continente e sua então realidade. Não foi à toa que o álbum abocanhou todos os prêmios possíveis. Então se você ainda não ouviu, não morra sem ouvir – várias vezes – esta obra prima.

The Boy in the Bubble

domingo, 20 de março de 2011

Discos: ainda valem a pena?

Você ainda continua a comprar discos (ok, CDs no caso)? Aposto que, como a grande maioria, deixou de comprar ou compra raramente. O preço não tem compensado, e a facilidade de ouvir e baixar tudo o que se quer na internet nos afastou desse objeto fascinante. Outra pergunta: Você ouve CDs inteiros ou apenas músicas avulsas dos seus artistas preferidos? Eu, particularmente, adoro álbuns. Ainda sou da época do LP. Costumava segurá-los o tempo todo, sentir a textura dos sulcos, explorar a capa, contracapa, encarte e interior, quando tinha capa dupla enquanto ouvia faixa por faixa, percebendo a relação entre cada uma e os contrastes entre elas. Claro que nem todos os discos tinham esse conceito de soar inteiros como uma obra homogênea. Mas eles tinham umas “sacadas” que instigavam seus ouvintes.

Com a pirataria fora do controle no Brasil, os álbuns (CDs, outrora LPs) se rebaixaram a um mero item no cartão de visita do artista, pois já não têm mais a força que tinham há poucas décadas. Hoje é muito difícil achar um disco que nos faça sentar na poltrona e ouví-lo inteiro. Antigamente, um cantor/compositor e as bandas elaboravam seus álbuns como um escritor concebe um romance. Não eram para ser ouvidos em parte, uma música ou duas, mas toda a obra. Aliás, muitos discos mostravam conceitos e idéias que não poderiam ser atingidas ouvindo-se apenas pouco mais que uma faixa.

A relação ente o artista e o álbum também mudou muito. Podemos perceber que os caras investem em um ou dois hits para saturarem na mídia e o resto do disco é pura “encheção de lingüiça”, idéias repetitivas e material da mais completa mediocridade. Isso vem acontecendo até com ótimos músicos que outrora gravavam discos brilhantes. Dificilmente encontro cantores/bandas em atividade cujos CDs sejam realmente interessantes.

Falando-se especificamente em música popular, a idéia de disco como obra de arte ou conceitual começou nos anos 60 com os Beatles, Bob Dylan, Beach Boys, The Who e outros. Nessa época houve de fato, grandes acontecimentos mundiais de ordem social, política e o escambau. Com isso veio uma explosão de criatividade nas artes, o que acabou “contaminando” também a indústria fonográfica através de músicos inspirados, que queriam criar o máximo e fazer nada menos que a melhor música que podiam. A tecnologia também avançava dentro dos estúdios de gravação. Como um efeito dominó, aquela geração influenciou as gerações posteriores e o saldo em 50 anos foi de muitas obras primas em formato de bolacha de vinil e CD.

Atualmente não se produz discos tão bons como há trinta ou quarenta anos, porque o artista quer em primeiro lugar ficar rico e famoso. Aliás, qualquer criatura, seja músico ou não, pode gravar um disco, ao mesmo tempo em que o público se torna cada vez menos "exigente" com a qualidade musical. A música pode ser no máximo... digerível. Aliás, as palavras “artista” e “músico” têm sido muito maltratadas e mal empregadas. Além disso, a figura do produtor ganhou quase mais destaque do que o próprio artista. O mercado crescente de música em formato digital também enfraqueceu o gosto pelo disco. E é claro, a kryptonita dos álbuns, a pirataria, que no Brasil encontrou milhões de aderentes e incentivadores (milhões de criminosos na verdade). Uma pena e vergonha para nós.

Eu mesmo não tenho adquirido CDs com a freqüência de antes. Mas sempre que encontro um que valha a pena, compro com muito gosto, ainda que ele esteja disponível para download gratuito nos blogs. Fotos, informações e ficha técnicas, textos, e a arte gráfica são coisas que me seduzem. Apreciar e folhear tudo isso entre os dedos é um prazer pra mim. Concordam que há uma enorme diferença entre ver uma bela pintura no monitor do computador e ter a mesma tela pendurada na parede de sua casa?